"Em suma, não se pode observar uma onda sem levar em conta os aspectos complexos que concorrem para formá-la e aqueles também complexos a que essa dá ensejo. Tais aspectos variam continuamente, decorrendo daí que cada onda é diferente de outra onda; mas da mesma maneira é verdade que cada onda é igual a outra onda, mesmo quando não imediatamente contígua ou sucessiva; enfim, são formas e sequências que se repetem, ainda que distribuídas de modo irregular no espaço e no tempo." (Palomar, Italo Calvino)
O que Palomar percebe é que nunca vai poder ver uma onda. Porque não a pode ver de frente, de trás, de baixo, de cima e de cada um dos lados ao mesmo tempo. Só tem a sua perspectiva. É assim com tudo o que vemos e vivemos. Só temos a nossa perspectiva que pode estar certa, mas não impede que outras perspectivas, mesmo que completamente opostas, não sejam correctas também. Como é que duas coisas opostas podem ser verdade? Não sei, mas podem. É tudo uma questão de perspectiva.
Ontem recebi um telefonema de uma pessoa com quem não falava há muito tempo. Estranhei quando vi o nome a piscar no visor, mas atendi. E ainda bem. Foi muito bom falar com ela e relembrar os tempos de quando trabalhava na Amadora.
É engraçado como as coisas acontecem. Ela estudou na FLUC ao mesmo tempo que eu e nunca nos cruzámos. O Johny é de Coimbra e nunca nos tínhamos cruzado. Vi duas casas e escolhi uma delas sem conhecer as pessoas com quem a ia dividir. Sem os ver. Desde logo estranhámos as coincidências. Uma Coimbra que partilhávamos, mas que nunca nos juntou. E agora estávamos ali, a dividir um apartamento em Queluz. Havia ainda uma outra pessoa, mas... nem sequer me quero lembrar.
E falámos. Relembrámos. O Johny que era só um anito mais novo que eu, mas de quem tomávamos conta como se fosse um irmão. Fazíamos sempre jantar a contar com ele. E ele comia e lambuzáva-se e levantava-se para lavar a louça sem ser preciso dizer nada. E lavava a louça com a cabeça encostada aos armários da cozinha... e dormia de boca aberta no sofá da sala. Tantas fotos que lhe tirámos. Foi à conta dele que comecei a perceber o que era o rugby e foi a equipa que ele treinava que eu fui ver, num Domingo à tarde cheio de senhores com camisolas lacoste aos ombros a fumarem charuto e a tratarem os filhos de 3 anos por você. "Ó Rosarinho, venha cá, Zé Maria já o avisei que o menino não pode estar aí...".
Era ele que, acabado de tomar banho e de vestir, de chave na mão para sair, me encontrava de pijama acabada de acordar no sofá da sala. Sentava-se ao meu lado e dizia, vai tomar banho e vestir-te porque vamos sair. E esperava.
Era ele que me levava a jantar fora e pagava apenas e só porque eu lhe fazia o jantar algumas vezes. Foi com ele que vivi uma das noites mais hilariantes, no Panças, na Buraca, com um grupo muito divertido ao nosso lado, numa festa de aniversário, já com os copos. Um dos senhores falava mal de alguém que não estava presente que "usava óculo porque é um preto fino, porque não tem problema na vista, é um preto fino". Ou comentava que a prenda que lhe tinham dado vinha num saco da Decénio e "tu pensa, é uma sandália, é um sapato, uma camisola, e vai a ver e é uma talocha" e saca da talocha de dentro do saco da Decénio para todo o restaurante ver. Nessa altura já ninguém continha o riso.
Noites no Bairro Alto a beber margaritas de tudo e mais alguma coisa. A comer pão com chouriço não sei onde. Um show.
Foram tempos muito divertidos, muitos vividos a dois (porque ao fim-de-semana a outra Ana ia para casa) e muitos vividos a três. Até estávamos unidos contra as maluqueiras da 4ª pessoa da casa. Os jogos da selecção, as bebedeiras, os frangos da churrasqueira ao pé do Pingo Doce,... tantas coisas. Ele deu aulas de futebol aos meus miúdos do ATL, ela deu umas explicações de Francês. Foi muito bom. Partilhámos tantas coisas.
E mal desliguei o telefone lembrei-me do Palomar e de como nenhuma verdade é absoluta. Aquele que foi o pior ano da minha vida teve tantas tantas tantas coisas boas.
Obrigada Ana por me lembrares, que mesmo na noite mais escura, em tempo de servidão, há sempre alguém que.... :)
O que Palomar percebe é que nunca vai poder ver uma onda. Porque não a pode ver de frente, de trás, de baixo, de cima e de cada um dos lados ao mesmo tempo. Só tem a sua perspectiva. É assim com tudo o que vemos e vivemos. Só temos a nossa perspectiva que pode estar certa, mas não impede que outras perspectivas, mesmo que completamente opostas, não sejam correctas também. Como é que duas coisas opostas podem ser verdade? Não sei, mas podem. É tudo uma questão de perspectiva.
Ontem recebi um telefonema de uma pessoa com quem não falava há muito tempo. Estranhei quando vi o nome a piscar no visor, mas atendi. E ainda bem. Foi muito bom falar com ela e relembrar os tempos de quando trabalhava na Amadora.
É engraçado como as coisas acontecem. Ela estudou na FLUC ao mesmo tempo que eu e nunca nos cruzámos. O Johny é de Coimbra e nunca nos tínhamos cruzado. Vi duas casas e escolhi uma delas sem conhecer as pessoas com quem a ia dividir. Sem os ver. Desde logo estranhámos as coincidências. Uma Coimbra que partilhávamos, mas que nunca nos juntou. E agora estávamos ali, a dividir um apartamento em Queluz. Havia ainda uma outra pessoa, mas... nem sequer me quero lembrar.
E falámos. Relembrámos. O Johny que era só um anito mais novo que eu, mas de quem tomávamos conta como se fosse um irmão. Fazíamos sempre jantar a contar com ele. E ele comia e lambuzáva-se e levantava-se para lavar a louça sem ser preciso dizer nada. E lavava a louça com a cabeça encostada aos armários da cozinha... e dormia de boca aberta no sofá da sala. Tantas fotos que lhe tirámos. Foi à conta dele que comecei a perceber o que era o rugby e foi a equipa que ele treinava que eu fui ver, num Domingo à tarde cheio de senhores com camisolas lacoste aos ombros a fumarem charuto e a tratarem os filhos de 3 anos por você. "Ó Rosarinho, venha cá, Zé Maria já o avisei que o menino não pode estar aí...".
Era ele que, acabado de tomar banho e de vestir, de chave na mão para sair, me encontrava de pijama acabada de acordar no sofá da sala. Sentava-se ao meu lado e dizia, vai tomar banho e vestir-te porque vamos sair. E esperava.
Era ele que me levava a jantar fora e pagava apenas e só porque eu lhe fazia o jantar algumas vezes. Foi com ele que vivi uma das noites mais hilariantes, no Panças, na Buraca, com um grupo muito divertido ao nosso lado, numa festa de aniversário, já com os copos. Um dos senhores falava mal de alguém que não estava presente que "usava óculo porque é um preto fino, porque não tem problema na vista, é um preto fino". Ou comentava que a prenda que lhe tinham dado vinha num saco da Decénio e "tu pensa, é uma sandália, é um sapato, uma camisola, e vai a ver e é uma talocha" e saca da talocha de dentro do saco da Decénio para todo o restaurante ver. Nessa altura já ninguém continha o riso.
Noites no Bairro Alto a beber margaritas de tudo e mais alguma coisa. A comer pão com chouriço não sei onde. Um show.
Foram tempos muito divertidos, muitos vividos a dois (porque ao fim-de-semana a outra Ana ia para casa) e muitos vividos a três. Até estávamos unidos contra as maluqueiras da 4ª pessoa da casa. Os jogos da selecção, as bebedeiras, os frangos da churrasqueira ao pé do Pingo Doce,... tantas coisas. Ele deu aulas de futebol aos meus miúdos do ATL, ela deu umas explicações de Francês. Foi muito bom. Partilhámos tantas coisas.
E mal desliguei o telefone lembrei-me do Palomar e de como nenhuma verdade é absoluta. Aquele que foi o pior ano da minha vida teve tantas tantas tantas coisas boas.
Obrigada Ana por me lembrares, que mesmo na noite mais escura, em tempo de servidão, há sempre alguém que.... :)
12 comentários:
Adorei este post. É verdade. Mesmo nos momentos mais escuros existe sempre aquele capaz de nos fazer dar uma gargalhada.
E recordar é só dar oportunidade à outra perspectiva.
Abraço.
Lita: felizmente, nunca é tudo mau. E podemos lembrar-nos com saudade de um ano que foi mau. É estranho, mas perspectivamente verdade :)
E ainda bem que há várias perspectivas para tudo! Assim temos oportunidade de aprender maneiras novas de ver as coisas, e isso, por vezes, faz toda a diferença! :)
Gostei destas tuas palavras!
Mag: este livro é bastante bom e de vez em quando lembro-me dele. E a imagem da onda é muito forte. De facto, não podemos ver uma onda de todas as formas ao mesmo tempo. Assim com tudo na vida. Temos de ter consciência disso... basicamente, temos de dar tempo às coisas. O tempo muda tudo. Até a nossa perspectiva.
Kiss :)
Há alturas em que as coisas são mesmo más mas mesmo assim, brilha uma centelha de esperança... ainda me lembro em 2006 - anno horribilis - que mesmo na pior tormenta encontrei algo que me animava... O Mau Estado, a Tempestade é apenas o inicio da transição (algo que me esqueço frequentemente). Muito bom este post de memórias :)
Beijocas grandes!
Hélio: a chuva lava, o vento varre, o raio exorciza. :)
O meu ano horribillis também foi 2006 :)
kiss
Sempre digo, no meio do mal sobressai sempre algo bom ;)
Eu também lavo a louça com a cabeça encostado aos armários :P
Iandu: Johny boy? És tu? :) LOL
Kiss
É tão bom recordar as coisas boas...deixaste-me com um sorriso na cara. :)
bjs
Lilipat: isso é que é mesmo muito bom! :)
Kiss
Sempre, há sempre alguém... Já diz a outra, lol.
Ás vezes só o distanciamento temporal nos permite tomar consciência de outras perspectivas, de outras verdades.
O importante é que agora, quando falares nesse ano, vais dizer: Foi um ano mau, mas... E esse "mas" faz muita diferença!
Post *****, daqueles que eu gosto :)
Verónica: ... no canto do Mundo que sonha também :)
Temos é de ter essa consciência porque assim aceitamos melhor o presente, com esta certeza de que o futuro lhe trará novas verdades, como dizes e muito bem.
Beijo
(e obrigada, obrigada, obrigada, obrigada!)
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