18 de abril de 2012

Solitaire

"22 de agosto

Começo a compreender melhor a relação que a gente nova tem com os jogos de computador, e como é fácil ficar prisioneiro do teclado e do que vai acontecendo no ecrã. Nos últimos dois dias, pouco atraído pelo Ensaio, cheio de espinhos, que ainda vai no primeiro capítulo, dediquei-me a investigar um pouco mais uma máquina (chamo máquina ao computador...) que até agora só me tinha servido para escrever. E assim foi que que me encontrei com os jogos incluídos no programa que nela foi instalado. (...) Com o espero e ágil "rato", vou retirando do baralho, ao alto, à esquerda, as figuras de cartas que podem entrar, trocando as posições, e, como no antigo jogo, alterno os valores e as cores (neste meu computador tudo se passa entre o branco e o preto). Então, mais ainda que com as reais e efetivas cartas, o computador apodera-se do jogador, desafia-o, e quando o vence nunca se esquece de perguntar-lhe se quer continuar. A sua rapidez de execução provoca e estimula a nossa própria rapidez. Mas o mais divertido de tudo, e isso, sim, fez de mim uma criança deslumbrada, é quando se completa o solitário, reunidas as cartas conforme os naipes em quatro "montinhos". Enquanto jogamos, o computador vai-nos atribuindo uma certa cotação (oscilante no decorrer do jogo) em pontos e contando o tempo que gastamos, e no fim, se completámos o solitário, dá-nos um "bónus", representado por uma quantidade variável de cartas, que no meu caso, por quatro vezes, ultrapassaram os dois milhares. Tendo como ponto de partida, sucessivamente, todas as cartas do baralho, elas irrompem em arcos, às vezes de dois tramos apenas, às vezes de três.... (...) Confesso que, quando me enfrento com este novo solitaire, já não penso tanto na satisfação de concluir o jogo, mas na expectativa daqueles saltos magníficos que, desenhando arcos contínuos, se vão sobrepondo uns aos outros."

 José Saramago, Cadernos de Lanzarote - Diário I, pp.110-111

Que delícia... uma descoberta, seja ela qual for, insignificante ou não, é sempre uma delícia. E vê-la assim descrita... e ter visto o filme, filmado quase 20 anos depois, e comprovado que esse fascínio perdurou... devíamos ser capazes de manter a nossa capacidade de nos sentirmos fascinados.

Sem comentários: