23 de dezembro de 2008

Carta ao Pai Natal

Ora... toda a gente já sabe que eu fui professora de Português e de Latim. Há quem diga que uma vez professora, para sempre professora. Talvez. Há quem diga que cada professor tem os alunos que merece. Mais ou menos. E se tenho alguns arrependimentos na vida, nenhum deles se prende com a escolha do meu curso, que amei, nem com a escolha da profissão, que enquanto a pude exercer foi muito muito bom. O que faço agora não tem nada a ver? Pois não. Mas o que vivi ninguém me pode tirar.

No dia 17 de Setembro de 2003 puseram-me à frente 19 miúdos. Uma turma inteira só para mim. Toda a minha vida tinha sonhado com aquele momento e nesse dia toda eu tremia. Porque sonhar é uma coisa e ter jeito é outra totalmente diferente. O que a maioria não sabe é que eu não digo muito bem os "sss", sou mais ou menos shopinha de masha. Mais ou menos. Para além do medo, pânico, pavor, normais de estar a dar aulas pela primeira vez, era o medo de eles me gozarem, de não me respeitarem no meu 1, 62m... e não imaginam o que é terem 19 miúdos a olhar para vocês à espera do que vocês vão dizer...

Este medo demorou a passar. Eu olhava-os desconfiada e tentei manter a minha distância para os poder manter na linha. Foram difíceis de início, mas foram os melhores alunos que uma professora poderia pedir. Atentos, curiosos, inteligentes, participativos. Faladores é certo, mas, para mim, não há nada pior que uma turma calada... Estão a ver o que era fazer uma pergunta e haver sempre uma dúzia de braços no ar? Um sonho!

Ora... às vezes penso que, podendo voltar atrás, faria coisas diferentes. Porque eles eram mesmo muito bons e mereciam uma professora melhor, mais experiente. Ontem perdi-me nos meus dossiers desse ano. Folheei as planificações, vi os textos analisados, vi os testes, e vi alguns trabalhos deles que eu fiz questão de copiar para guardar. E acho sinceramente que fiz um bom trabalho. Fomos de Camões a Alexandre O'Neill, Jorge de Sena, Manuel Alegre... passámos por Virgílio Ferreira e Gabriel Garcia Marquez... passeámos por uns textos de Miguel Esteves Cardoso... foi uma delícia!
Mas eu era má! Má que nem cobras! A sério! Tenho um sentido de humor um pouco estranho e adorava vê-los atrapalhados. Os meus testes não eram daqueles previsíveis e eu conseguia ser bastante criativa nas composições que pedia. A coisa mais normal que lhes pedi, e deviam ver aquela turma de maioria masculina super atrapalhada!, foi uma carta de amor. :)

Bem... este discurso todo para dizer que, no 1º período lancei um concurso: "Carta ao Pai Natal". O objectivo era estabelecer uma ligação entre os textos de domínio transaccional que tinha de leccionar. Então, aprendemos o regulamento e fizemos o regulamento do concurso, aprendemos o requerimento e fizemos um requerimento ao Conselho Executivo a pedir autorização para a realização do concurso, e etc e tal. Uma parvoíce que se iria revelar uma grande ideia.

Chegou o dia de entregarem as cartas ao Pai Natal. Eu tinha prometido uma prenda. E dei um livro ao vencedor. Começo a ler as cartas e começo logo a aborrecer-me. Não me levem a mal... as cartas estavam bem escritas, mas eram todas mais do mesmo... querido pai natal quero uma psp, um telemóvel e paz no mundo e que as criancinhas não passem fome. Tudo muito bonito, mas imaginem isto repetido e repetido e repetido... até que... até que me chega às mãos a carta do Tiago A. Um dos miúdos mais inteligentes que eu conheci. Porque eu própria não me lembraria de algo assim. É óbvio que foi ele quem ganhou, pela originalidade. E é óbvio que acabou o ano com 18... :) deliciem-se com isto que um rapaz de 15 anos escreveu:




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15 comentários:

Ianita disse...

É não é? Como é que esta criatura se lembrou disto, como resposta a um concurso "Carta ao Pai Natal"!?

Kiss

Lita disse...

Excelente!!!
Quanto aos teus receios... eu já dei aulas, mas para adultos. Cada vez que me imagino, com os meus 1, 56m e os meus, na altura 26 anos, em frente a uma turma de mulheres de 40, com 20 anos de experiência sobre aquilo que eu ia dar, na teoria... isso sim, foi um ano criativo...
Tenho a certeza que ficaste na memória de cada um. Pelo menos, as minhas professoras de português são aquelas de que me recordo com mais saudade e carinho...

Ianita disse...

Confesso que fico emocionada quando encontro alguns deles na Queimas das Fitas... estão a ver? Eu ali na boa e de repente "Ana! Ana! Professora!" :)

E noutro dia recebi um mail que me fez chorar... do outro Tiago, músico, que só precisava de algum incentivo e, pelo que ele diz, o recebeu de mim...

Este Tiago da carta ao pai Natal escreveu assim a sua carta de amor no teste (estava sob pressão e escreveu isto):

Cantanhede, 18 de Maio de 2004

Querida Inês:

Amo-te! Como uma oração subordinada integrante ama um elemento de ligação. Como uma rosa ama a terra.

Atenciosamente,

Tiago A.

(não é uma delícia? :)

M. disse...

É mesmo uma delícia!!

Eu confesso que não sabia que tinhas sido professora de Português/Latim... Tive Latim do meu 10ª ao 12º e confesso que me vi à rasca para fazer a cadeira, lool!! O primeiro ano adorei mas os dois seguintes não foi mt bom :( mas foram tempos que já passaram!!

Beijinhos e um Feliz Natal, querida***

Ianita disse...

Não sabias? :)

É uma delícia de língua... uma cultura fascinante! como a grega também... :)

FELIZ NATAL!!

Kisses

u João disse...

Olá!é um prazer ler o que escreves Ana; pena não continuares no ensino, presumo que ficaste no coração dos teus alunos :)
beijo

Ianita disse...

Não sei se presumes bem... só eles poderão dizer... eu gosto de pensar que sim...

Kisses e Feliz Natal!

Brigitte disse...

Passei para desejar um FELIZ NATAL aí para os lados da Pocariça!

beijos
:)

Ianita disse...

Aqui para os lados da Pocariça vai ser um excelente Natal, te garanto! :)

FELIZ NATAL também para ti e para os teus!

Beijo

TM disse...

Gostei da carta.... mto... :)

E votos de um Feliz Natal...

Anita disse...

que delícia:)))))
Um grande beijinho e, um natal muito feliz para ti repleto de coisas boas:)

Bruno Fehr disse...

Essa carta está fantástica e gostei muito do vocabulário usado, o que vem demonstrar que os estudantes não estão tão estupidificados, como os querem pintar.

Eu também sou ex-professor e sei bem que os alunos andam a ser pintados da cor que mais convém, devido à situação precária do nosso sistema de ensino.

Os alunos acusam os professores de não se interessarem. Os professores acusam os alunos do mesmo. No fundo ambos estão por um lado certos, mas alunos e professores deveriam ser aliados e não inimigos, pois nesta guerra perdem ambos e o governo continua intocável, observando e manipulando ambos os lados.

Ianita disse...

TM e Anita: Feliz NATAL!!

Crest... ora, eu não diria melhor...é isso mesmo... e quando trabalhamos em conjunto alançamos as estrelas :)

Mas (e porque infelizmente há sempre um mas)eu sei que com aquela turma tive muita sorte... já tive outros alunos depois desses e as coisas nem sempre correram tão bem...

Beijinhos e Feliz Natal

Lize disse...

Adorei a carta, original mesmo! :)

E já agora, Cantanhede hein? :P Eu cá sou da Figueira lala :P Já lá não vivo, para tristeza minha... Estou bem mais longe :P Mas continuo a ser de lá pois claro :)

Beijocas

Sophia disse...

Não há melhor experiência no mundo profissional do que ser professora:-)
Beijinhos,
Sofia*