27 de outubro de 2008

Leis

"Mas Rómulo tinha ideias muito firmes acerca do casamento e da vida familiar. E, como era rei, transformou essas ideias em leis. Os casamentos não podiam ser jamais dissolvidos, embora o marido tivesse o direito de matar a mulher se ela cometesse adultério ou bebesse vinho (porque Rómulo estava convencido de que o vinho levava as mulheres a cometerem adultério). O pai tinha controlo absoluto sobre os seus filhos e os filhos dos seus filhos, durante toda a sua vida; podia alugá-los a outros como operários, mandá-los prender, açoitá-los, e mesmo mandá-los matar. Um filho nunca deixava de estar sujeito à autoridade legal de seu pai. Era a lei do paterfamilias - o chefe supremo de sua casa -, que seria absoluta e permaneceria inquestionável em Roma durante muitos séculos."

(Steven Saylor, Roma)

E vocês estão a perguntar-se por que é que interessa uma lei que foi criada no ano 713 a. C. Tão antiga, tão longínqua, não é? Ainda ontem, ao jantar, o meu pai lembrava (em tom de queixume) que antigamente era o chefe de família quem tinha o melhor lugar à mesa (enquanto que o meu pai ainda ontem foi relegado para um lugar de costas para o futebol que passava na Tv), quem comia o melhor bocado de comida, quem mandava e desmandava. Não foi há muito tempo que as coisas se passavam assim em Portugal.
A minha avó foi mandada trabalhar aos 5 anos. Nesse tempo, mais de dois mil anos depois da lei, era o pai quem ditava as leis da casa.
Ainda hoje, se um homem matar a mulher numa cama onde a encontrou com um amante, tem atenuante. Se um pai matar um filho porque ele lhe entrou em casa para roubar e para bater na própria mãe, se esse pai pegar na caçadeira e o matar, tem atenuante. Se um filho matar o pai que o violava, tem atenuante. Muitos assassinos não chegam a ir presos, mesmo tendo-se provado os factos.
A nossa sociedade e, por reflexo, a nossa lei tem ainda muito do Direito Romano. Muito mesmo. Foi só depois do 25 de Abril que o divórcio passou a ser uma opção em Portugal. É incrível, mas verdade.
Ainda hoje se pensa, em alguns meios (demais, em minha opinião), que não é próprio de uma rapariga embebedar-se. Que fica mal. Que as mulheres bêbedas são fáceis... O Rómulo pensava assim, no ano 713 a. C. Quando Roma ainda não era Roma. Quando os romanos eram uns guerreiros bárbaros sem lei e sem ordem. Há tempo demais. Se uma mulher bêbeda e pouco vestida for violada... o violador tem atenuante. Hoje.
Muitas coisas estão diferentes, mas não seria de esperar, passados mais de dois mil anos, que mais coisas estivessem diferentes?

14 comentários:

Rony disse...

Lembrei-me do brilhante filme "Os acusados" com a Jodie Foster.

Cada sociedade tem as suas leis que não são perfeitas nem nunca vão ser.
Eu dou-me por feliz por viver num tempo, numa sociedade (ocidental), em que tenho liberdade suficiente para trabalhar, viajar e decidir a minha vida por mim. Neste mesmo tempo existem tantas mulheres que não o podem fazer...

É importante não desistir de lutar pelos nossos direitos, mas considero-me uma sortuda!

As coisas levam muito tempo a mudar, o importante é que não haja retrocessos naquilo que já conseguimos.

P.s. Mais um excelente post ;) Kiss

Ianita disse...

Tens toda a razão.

Também me dou por feliz de ter um pai que abdica do lugar na mesa, e das pernas do frango :)

So me espantou, ontem, ao ler estas linhas do livro do Saylor, que tantas coisas ainda fossem iguais.

E ainda há quem diga que o Latim é língua morta... nós somos ainda fruto da colonização romana. Penso que, em algumas coisas, já era tempo de largar as amarras...

Esse filme é brutal. É mesmo um murro no estômago, como o outro, o Trade. Isto dos atenuantes tira-me um bocadinho do sério, mas pronto.

Como boas portuguesas que somos, dizemos em uníssono: "Podia ser pior!" :)

P.S. Pois obrigada :) mas no melhor e no pior sei que conto sempre contigo. Kisses :)

Anónimo disse...

ohh Ianita tudo bem dou-te razão nessa coisa das leis
mas...... meter o teu Pai de costas pró jogo e ainda por cima o BENFICA não fica nada bem
coitado do Homem

bjo

Ianita disse...

Mas ele é do Sporting!! :)

Além disso, a alegria dele é mesmo ter-nos a todos à mesma mesa. Quando éramos mais novos e o estarmos ali era um dado mais que adquirido, o meu pai não abdicava do lugar dele. Agora, com a minha irmã casada, o meu irmão em Lisboa toda a semana, já não liga nada a essas coisas e quer é que estejamos todos ali e bem-dispostos. Mas não deixou de mandar a boca! LOL

Mas se fosse o Sporting, algo me diz que não teria sido igual. E coitadito, ainda teve um desgosto ao final da noite. Foi de tanto ter gozado com o meu irmão pelo resultado do Porto e de ter implicado comigo a dizer "foi a ferros! não jogaram nada!". Eheheheh!

Kiss

Paulo Lontro disse...

Seria de esperar, claro que seria!

“Ainda hoje, se um homem matar a mulher numa cama onde a encontrou com um amante, tem atenuante.”

Mas a atenuante também a terá se for a mulher a matar o marido, o que de certeza não acontecia na Roma antiga ...

Ianita disse...

Olha que não sei...

Mas na Roma antiga também nenhum filho tinha atenuante se matasse o pai. O pior crime era o parricídio (por acaso o tema do romance "Sangue romano", do Saylor também). E o castigo era bizarro. Qualquer coisa como uma pessoa ser espancada e metida dentro de um saco com um macaco, um galo, um cão e uma cobra e depois jogado por uma arriba. :)

Foi aplicado raras vezes, porque o pessoal cumpria esta cena do paterfamilias. O que hoje...

Estas comparações são sempre injustas, mas ao ler, não pude deixar de as fazer.

Kiss :)

u João disse...

Olá!Uma abordagem muito interessante, ao papel do homem na família.O homem, tem tido esse papel, porque durante este tempo é ele quem providencia o sustento da família, hoje já não é assim. Discordo quando dizes,que se o homem apanhar a mulher a cometer adultério, e, se em consequência ocorrer um crime, ele vê a pena reduzida, não é o caso actualmente, felizmente.
Um reparo;não é próprio uma mulher embebedar-se, como não é para o homem, agora, tá provado que a menor tolerância da mulher ao álcool, a pode levar a fazer coisas, que mais tarde se pode arrepender.Isto sou eu que digo, até porque ja apanhei uns valentes "pifos" loll
beijo

Ianita disse...

Não te esqueças que, na altura do Rómulo, as mulheres trabalhavam. Aliás, como sempre trabalharam só que nunca foi reconhecido o trabalho doméstico como trabalho de facto, o que é uma estupidez, mas pronto...

Eu de leis percebo pouco, mas duvido que num caso de assassínio em flagrante delito, com um bom advogado, que o senhor não tivesse a pena reduzida...

Quanto ao álcool... já apanhei imensos pifos, bebedeiras, e tudo e tudo e tudo. Para tudo há limites. E tanto há homens como mulheres a fazerem figuras tristes. A verdade é que tanto uns como outros aproveitam o efeito desinibidor do álcool para cometerem algumas loucuras que não cometeriam de cabeça sã. Mas eu até acho isso normal. Dentro de limites, claro está :)

E não há nada melhor que uma tarde que se prolonga em noite de copos em casa, com um bom grupo de amigos... uma boa cartada, o desfiar de velhas histórias... Se bem que pra próxima bebo menos, porque já reparei que quanto mais bebo mais perco e os meus adversários aproveitam-se disso!! :)

Kisses :)

Anónimo disse...

olá outra vez
é verdade Ianita a mesa sem a familia toda não é a mesma coisa
então partindo do principio que o mano é do porto,o pai do sporting,
esse "tirado a ferros" quer dizer que és a unica com bom gosto por ai.
LOL

Olha a minha Nina não faz mal a uma mosca
é uma coisinha mesmo doce,pequenina e amorosa

bjo

Isandes disse...

A meu ver, nunca seremos (nós, Homens) capazes de superar as diferenças de género, de etnia, de crenças, ... Mexe com valores culturais, com um acumular de experiências, feridas, estigmas e preconceitos, coleccionados ao longo da História. Não se apagam de 1 dia para o outro... E com a globalização e as crises económicas, blá blá, perpetuar-se-ão ou agudizar-se-ão ainda +. Temo. (De qualquer modo, cada 1 de nós faz a diferença, claro.)
Prognósticos para daki a 500 anos? hum...

Ianita disse...

Mendogas: Esta é uma família digamos que para o dividida. A minha irmã também é do Sporting, assim como a minha sobrinha. Já o meu cunhado acompanha o meu bom gosto :) No dia dos derbys é que é bonito!

A tua Nina... pois... mas aqueles olhinhos... hummm....

Kiss

Ianita disse...

Isandes: Nem mais! E era isso também que eu queria dizer. Eu que vivo com o estigma de ter estudado uma "língua" e cultura mortas. É tão mentira!! Nós somos o fruto da nossa História. Não só nós individualmente, como Nós (Homens). Entender a História é importantíssimo para nos entendermos a nós mesmos, ao nosso papel na sociedade. E, ao entender a História, talvez consigamos não repetir erros, equívocos, asneiras.Ainda por cima ao ver que tanto não mudou em 2750 anos...

A diferença é normal e vai sempre existir. Pelo menos assim espero, porque a diferença enriquece-nos e enriquece a sociedade. Temos de trabalhar é na tolerância. Esse sim é o grande desafio para a nossa geração.

Kiss

Dawa disse...

A mentalidade das pessoas muda de-va-gar!
Acho que nos cabe a nós lutar para que as coisas sejam diferentes e, felizmente, já são diferentes em muitos sitios. :D Faltam os outros...
Beijinhos

Ianita disse...

Pois... "Só" faltam os outros. :)

Kisses