9 de fevereiro de 2009

Da eternidade

Diz a sabedoria popular que tudo o que desce cai. Tudo o que nasce morre. Seguindo a analogia, tudo o que começa, acaba. Por sabermos isto é que procuramos a eternidade. Seja na ideia da vida após a morte, por reencarnação ou por vida no Além, no Céu ou no Inferno, seja pelas pequenas eternidades do dia-a-dia... a eternidade que se conquista quando se escreve um livro, ou quando se faz uma descoberta científica, ou quando se tem um filho. Procuramos também a eternidade nas relações, nas amizades, no amor.
Mas se é verdade que tudo o que começa acaba, estaremos destinados ao fracasso nesta nossa procura de eternidades?
Tudo o que começa acaba. Tudo o que nasce morre. Tudo o que sobe, eventualmente, algum dia, terá de descer. No amor é assim... subimos e eventualmente descemos... caímos... esfarrapamos os joelhos... ficamos com os cotovelos em crosta... pomos um pouco de cicatrizante... sopramos... temos amigos que nos dão um beijinho ali onde dói para a dor passar mais depressa. Não passa mais depressa... mas sabe bem o sorriso que acompanha aquele sopro na nossa ferida... aquele beijinho e aquela promessa de que tudo vai ficar bem.
Não ficamos logo bem... Ainda dói quando andamos, a queda foi feia. Coxeamos um bocadinho. Andamos com o braço ao peito. Parecemos nós saídos de um filme de acção. Feridos de morte na guerra do amor (metáfora de romance barato). Mas, um dia, quando menos esperamos, já não coxeamos. Quando menos esperamos corremos para apanhar o autocarro. Quando menos esperamos usamos o braço para chamar o elevador, ou para indicar um lugar vazio a um velhote que entra no autocarro e vemos que o braço também já está bom. Acordamos um dia e vemos que o peito já não dói. Olhamos o joelho e vemos uma pequena marca. Uma cicatriz que ficará ali para sempre... durará muitos verões... é persistente a malandra. Mas as cicatrizes não doem. Lembram, mas não doem.
Haverá um dia em que acordamos de manhã com vontade de cantar e dançar no duche. Com vontade de correr. Com vontade de passear, de conduzir sem destino. Com vontade de voar. E voaremos outra vez. A vida é assim... feita de altos e de baixos. Eu, embora seja baixa (uma piada de extrema qualidade esta), gosto de pensar em mim como pessoa de altos vôos. Já me vi de asas cortadas... presa em gaiolas douradas...
A diferença entre nós... nós todos... homens mulheres todos nós... a diferença não está no que sofremos, mas na forma como superamos o sofrimento. Dizia a propósito dos tempos de crise que é em alturas más que se vê o verdadeiro carácter das pessoas. O mesmo se aplica aqui. É na adversidade que se vê de que somos realmente feitos. Se somos homens ou ratos. Se somos fortes ou fracos. Se persistimos ou se desistimos.
Sempre tive o hábito de escrever. Tenho diários desde que comecei a escrever e tenho-os a todos. Envergonham-me muitas das coisas que tenho lá escritas. Mas não as apago nem deito fora aquelas páginas de passado. Tantas vezes que escrevi que nunca tinha estado tão feliz na vida. Tantas vezes que escrevi que nunca tinha sofrido tanto na vida. Tantas páginas... tantas histórias... tantas palavras apagadas pelas lágrimas... ali esborratadas... ali sofridas... ali na certeza que nunca mais iria amar e nunca mais... nunca mais... palavras vãs.
Gosto de ter os diários. Gosto do que eles me lembram. Lembram-me de todas as lágrimas, de todas as cicatrizes, mesmo aquelas mais pequenas, aquelas de que já nem me lembrava, aquelas que ao reler e ao reviver parecem que sangram outra vez... gosto porque me lembram que tive no passado momentos em que achei que nunca mais ia sorrir... momentos em que achei que estava no fundo e nunca mais subiria... momentos em que pensei que as lágrimas não cessariam de cair... momentos em que... superei tudo... todas as lágrimas... todas as cicatrizes. As cicatrizes não me metem medo... pelo contrário, dão-me força. Porque me lembram que sou forte. Porque me lembram que o passado não foi de rosas, nem de tulipas, nem de camélias, nem de orquídeas... ai, muito menos de orquídeas... de delicadas e perfeitas orquídeas... as cicatrizes fazem-me sorrir. E sorrio. As cicatrizes dão-me segurança. As cicatrizes dão-me certeza. Certeza de que se é verdade que tudo o que sobe cai, é igualmente verdade que tudo o que cai, eventualmente volta a subir.
É assim a eternidade... apresenta-se em pequenos laivos de azul... ou de cor-de-rosa na pétala alva e perfeita de uma orquídea. E há que sorrir e agarrar a pouca eternidade a que temos direito. E sorrio. :)

4 comentários:

Lita disse...

Este texto é delicioso.
No momento não sabemos. A dor torna-nos cegos... porém, existe sempre um observador interno, aquele que vê e nos diz "isto vai fazer-te crescer".
Cada lágrima, cada pontada é um pedaço da nossa história, assim como cada gargalhada. Arrependo-me muito mais do que não fiz do que de tudo o que fiz. E é por isso que tento fazer tudo...

Lembraste-me a famosa frase "pedras no caminho? Guardo todas... um dia vou construir um castelo".

Beijos

Ianita disse...

Precisamente!!

Faço questão de guardar todas as minhas pedras... de lembrar todas as dores, todas as lágrimas, todas as cicatrizes. Porque o que não me destrói faz-me mais forte. Porque tudo passa, como um rio. Também a vida passa por isso temos de a viver em pleno, sempre.

Com consciência... mas concordo plenamente contigo. É preferível arrependermo-nos do que fizemos do que do que não fizemos. É preferível viver a ficar parado num banco de jardim a ver a vida passar... é preferível morrer afogado a nunca tentar nadar.

E pensar assim não significa que nunca se sofreu, significa, isso sim, que somos fortes e que temos força e vontade de viver! Sempre e em pleno.

Beijo

Vera Angélico disse...

Bem... apesar de já terem dito tudo. Hoje está a ser um dia difícil. Hoje fiquei a ler-te de lágrimas nos olhos. Mas por esta altura já choro compulsivamente.

Ouvimos sempre dizer que tudo é eterno. Pelo menos enquanto dura. E que o que não nos derruba, torna-nos mais fortes. Mas não deixa de doer horrores...

Estou nessa fase. De achar que nunca mais vou ter uma relação como tinha. Que vai ser impossível voltar a amar desta forma, ou sofrer desta forma. Noutras alturas, batia o pé e fazia birra. Agora mantenho-me quieta. Gostava de ter o optimismo de achar que um dia vou acordar como descreves. Mas não vejo o dia. E acho sempre que já atingi o limite. Que estou a viver no limite.

Mas hoje é (só) mais um dia péssimo.

Mais uma velha máxima. Ninguém nos pode evitar as quedas. Mas sabe tão bem quando nos ajudam a levantar.

Sobrevivo. Com pequenas alegrias, e alguma esperança. Mas tenho pressa.

(E não devia estar a falar de mim, mas enfim...)

Um dia conta-me o segredo para superar isto, ok?

Beijos.

Ianita disse...

Não tenho segredos. Também eu choro. Também eu sofro. Também já me fizeram acreditar que nunca mais ia ter ninguém. E eu acreditei. Já deixei que me derrubassem. Pior... já me derrubei a mim-mesma.

Não tenho segredos. Ou as minhas páginas não estariam carregadas de dor e lágrimas como estão.

Tu respondes-te a ti mesma quando dizes que pensas sempre que já atingiste o limite. Ainda assim, vais alcançando novos limites. E se o ontem chegou ao fim e fez amanhecer um novo dia, hoje não será diferente.

Fica. Quieta. Deixa-te ficar no chão mais um bocadinho. Se nos levantamos depressa demais podemos ter uma quebra de tensão e cair ainda com mais força :)

Fica. Quieta. Deixa-te ficar até estares pronta a levantares-te. Ou pelo menos mais pronta. E é claro que vai doer... vai doer muito. E por doer podias dar-te ao luxo de sorrir! Caramba! O que muita gente não daria por momentos de um amor que dói assim. Porque se dói assim é porque já foi tão tão tão bom...

Não vai ser hoje. De certo não será amanhã... mas será. E disso eu não tenho dúvidas. Não tenhas também. Revê dentro de ti todas as outras quedas... todas as outras cicatrizes, algumas bem piores que esta suponho, e vais ver que encontras a força em mais nenhum lugar que dentro de ti.

Isto foi o meu soprar para a ferida e o meu "deixa-me dar um beijinho que passa" :) e sim, já sabes, eu sou assim tola! :)

Beijinhos