2 de outubro de 2009

Elissa...

Aqui estou. Outra vez sozinha.

Outra vez... Pensei que não voltaria a sofrer. Pensei que a vida me sorria por fim. Depois de o meu irmão ter matado o meu marido, senti o Mundo a cair-me na cabeça. A dor da perda, a dor da desilusão, e a responsabilidade de ter de cuidar de todas as pessoas do reino...

Fugimos das tiranias do meu irmão e instalámo-nos aqui... no Deserto à beira-mar. Amo o meu país. Amei o meu marido. Mas só quando vi E. pela primeira vez é que soube o que era paixão. Com o meu marido era diferente... éramos amigos, confidentes, companheiros... respeitávamo-nos... com o E. é diferente. Sempre foi diferente...

Desde aquela noite em que a tempestade nos uniu... Desde aquela noite em que senti que ele também me via, me sentia, me amava... Senti que a vida me compensava por todo o sofrimento, todas as perdas...

Fi-lo meu rei. Rei do meu país e dos meus súbditos. O meu rei consorte. O meu amor. Acolhi o filho dele como se fosse meu. Acolhi os amigos dele como se fossem meus. Acolhi-o como se fosse parte de mim. E ele é parte de mim...

Parte de mim que agora me deixa, sem explicações, sem nada... Vejo ainda os barcos ao longe. Porque teve de ir embora? Porquê? Ontem falou-me em ir... disse que me amava, mas que tinha deveres a cumprir... Mas que deveres são esses? Não tem ele maior dever comigo? Comigo que partilho a cama dele? Comigo que o acolhi? Comigo que o amei mais que a mim-mesma?

Como se atreve ele a dizer que há coisas mais importantes que o amor? O que poderá ser mais importante que o amor? Ele não me soube responder... não argumentou... acariciou-me a face e sorriu-me... disse que me amava... e de repente tudo ficou como antes... como antes de ele falar em ir embora.

Enganou-me! Enganou-me... deixou-me acreditar que reconsideraria. E enquanto eu dormia e sonhava, ele fugiu. Deixou-me na nossa cama e fugiu... cobarde! Mentiroso! Assassino!

Sim, assassino! Mataste-me! Mataste a minha esperança. Traíste o meu amor! Traíste o meu amor... Traíste a minha vida. Um golpe de punhal teria sido menos brutal! Porque não terminaste o que começaste? Porque não afundaste a adaga no meu peito? Porque me deixaste a respirar quando a minha vida não é nada sem ti?

Vieste e tomaste conta de tudo... estás em todos os lugares, em todas as pessoas... vejo-te em cada esquina... ouço-te a cada minuto... é isto o Inferno? É isto o Inferno em vida?

Vai. Não te quero mais. Não quero um homem que não me quer. Não quero um homem que não honra o amor que sente nem os compromissos que assume. Não te quero. Não te quero.

Quero-te... quero-te muito. Mas não te tenho. Não te posso ter. Fugiste-me por entre os dedos. Escapaste-me... e para quê? Para quê? Serás mais feliz sem mim? Eu não sei o que é viver sem ti... não quero a vida sem sabor que vivia antes de te ver. Porque isso, sei-o agora, não era vida.

Tenho de rasgar tudo o que me lembra de ti. Queimar tudo o que, na pressa, deixaste ficar para trás. Acabar com as memórias de ti... com as memórias de nós... e este corpo? Este corpo que ainda cheira a ti... este corpo que te tem em cada centímetro de pele? Este corpo arde com o resto de ti.

Ergo ubi concepit furias, euicta dolore
decreuitque mori, tempus secum ipsam modumque
exigit...





DIDO:
Thy hand, Belinda, darkness shades me,
On thy Bosom let me rest,
More I would, but Death invades me;
Death is now a welcome guest.
When I am laid in earth, may my wrongs Create
No trouble in thy Breast;
Remember me, but ah! forget my Fate.


CHORUS:
With drooping wings you Cupids come,
To scatter roses on her tomb.
Soft and Gentle as her Heart
Keep here your watch, and never part

11 comentários:

chi dura vince disse...

Isso é tudo fado?

bono_poetry disse...

Esse amor e um conforto,saber que ele escapou bem,deixa-me confiante que os homens ainda fazem sofrer as mulheres!!um pouco feminista,de certa forma!Adoro opera e teatro,adoro sentir a paixao,adoro a possibilidade de a sentir com os actores ,com o publico e as suas reaccoes!!

E este texto realiza um pouco das minhas aspiracoes a pensador de terceira,congratulo-me em considerar que a coragem e factor determinante,a espera e a quietude sao a morte da paixao,amor,seja o que for,a desilusao e a ausencia,o amor precisa de accao,de actos de coragem!!penso eu de que...maravilhoso texto,maravilhoso video!!adorei menina!

Ianita disse...

chi: não sei... se calhar o Fado está em estarmos condenados a sermos diferentes e a não aceitarmos as diferenças dos outros. Estou num momento da minha vida em que sou mais Eneias que Dido. Acho mesmo que o amor não vale tudo. Mas... mesmo sendo incapaz de me matar por quem quer que seja, entendo o lado dela. A vergonha, a desilusão... sentiu-se morta por dentro e o matar o corpo era apenas mais um pormenor.

Para ela o amor tinha de ser vivido e ele era cobarde por ter fugido... para ele havia outras coisas, outros valores a serem preservados. É assim a vida...

Ainda esta semana houve mais uma sessão do julgamento da rapariga que matou o ex-namorado com ácido. Basicamente porque ela não aceitou que ele não quisesse estar com ela. Ele não cometeu crime nenhum... assim como o Eneias também não fez nada de mal. Teve de terminar a relação e seguir outro rumo...

Ianita disse...

bono: e não será também coragem deixar um grande amor em prol de um bem maior?

O que eu tento nestes exercícios é pôr-me na cabeça das personagens e tentar entendê-las... à primeira vista o Eneias foi um cabrão. Porque sabia que não ia poder ficar com ela e mesmo assim insistiu na relação até que teve mesmo que ir... mas acho mesmo que ele gostava dela... que tentou ficar... mas tinha o peso de uma nação nas costas...

Onde está a coragem e onde está o egoísmo? Difícil...

Esta ópera é belíssima. E esta interpretação é fantástica. Se quiseres, espreita a Eneida... e vês o pobre do Eneias perder tudo o que ama em prol de Roma... a pátria, o pai e Dido... e vês que no fim não tens um homem, mas uma máquina em serviço dos Fados. Triste.

bono_poetry disse...

Apos ter lido e conversado o que escreveste,concordo em absoluto contigo,nada e mais verdadeiro que aquilo que so nos sentimos,mas tambem sabes que o nosso cerebro nao esta no coracao,esta na racionalidade e no pensamento,antes dizia-se que o amor pensado era como um casaco pesado,e a paixao sem contencao um vulcao de emocoes!!pois ha quem diga que o amor pensado,traz frutos de estacao!!!Olha que nos temos amplitude para mudar as nossas ideias e os nossos conceitos,ninguem nos deu uma varinha magica para acertar a primeira,nao e assim?descartes.socrates,aristoteles,jose,lanita,bruno,antonio maria todos estes erraram e mudaram algo na sua linha de raciocinio,eu acredito no amor,acredito na paixao,acredito nas pessoas,acedito em ti em mim.mas acredito em absoluto que o medo condiciona a pessoa,mas se for amor,ele vinga!!!o amor tem toneladas de resistencia,eu sei que sim!beijo,gostei mesmo mt deste teu post!

chi dura vince disse...

"Quando te livrares do peso desse amor que não entendes, vais sentir uma outra força. Como que uma falta imensa"

Quando falei do fedo, foi mesmo dessa sina de amarmos sofrer, e sofrer porque amamos...

Cada um enquanto ser único lá terá as suas estratégias de fuga, de se reinventar, de encontrar novos amores, de os fazer nascer de dentro de si....a realidade é construída por nós...

ps: obrigado pelo texto

Rony disse...

Só tenho a dizer: continua, continua, continua... :)

Rice Man disse...

Disseste ali em cima que tentas pôr-te na cabeça das personagens e cmpreendê-las... Eu diria que o fizeste na perfeição! Tanto neste como em textos anteriores. Davas uma excelente advogada de defesa. ;)

Ianita disse...

bono: O amor vinga sempre... disso não tenho a menor dúvida.

Mas depende de que amor falamos... se falamos de amor puro... se falamos de amor-paixão. O amor puro abnega... o amor puro aceita a perda... quem sente um amor assim sofre com a perda, mas fica feliz com a felicidade do outro, mesmo que longe de si.

O amor-paixão é egoísta. Só pensa em si mesmo e só tem fim em si mesmo. O amor paixão é posse. O amor paixão é loucura.

Li a Eneida uma data de vezes, por causa do curso. Depois de acabar o curso já voltei a ler. A verdade é que a primeira vez que li detestei o Eneias. Agora, entendo-o. Eu não abdicaria de tudo por homem nenhum (a não ser que fosse um filho). Nenhum amor-paixão me faria virar as costas às minhas pessoas. E isso não é ser racional ou não querer amar... isto é escolher um amor maior. Um amor que constrói em vez de destruir.

Nesse amor eu acredito. Um amor que não te faça escolher entre ele e os outros. Um amor de amizade, de ternura, de cumplicidade, de sorrisos, de carne, de mordidelas e mão na mão. Nisto eu acredito...

O outro... existe, mas não o quero. E espero que nunca se cruze ninguém assim maluco no meu caminho... espero...

Kisses

Ianita disse...

chi: mas é fado. E acho que mais ou menos todos sentimos ímpetos... mas o segredo está em controlá-los. A atracção é um instinto animal... tem que ver com cheiros, comportamentos, ADN e afins... mas nós não somos só animais... somos supostamente racionais. Por isso é que supostamente não podemos obrigar alguém a estar connosco... porque cada pessoa tem o direito à sua individualidade... no reino animal as coisas são mais à bruta... e no nosso mundo supostamente racional também... daí os crimes passionais.

(estas coisas assustam-me... lembro-me quando estava na faculdade que uma colega minha de curso que foi assassinada por um rapaz que estava apaixonado por ela e que quando a viu com um namorado... isso e um casal que se separou ao fim de dois anos de namoro... o rapaz diz que quer falar... marcam no estacionamento da universidade em horário de aulas, em plena luz do dia, e ele matou-a...)

Ianita disse...

VG: eu vou continuando... pelo menos aqui posso... e não pago imposto :)

Rice: Não sei se dava... mas consigo imaginar o conjunto de argumentos que levam uma pessoa a determinada decisão, por mais que não concorde...