18 de janeiro de 2010

Da vida...

Uma pessoa passa pela vida. Uma pessoa passa pela vida e são mais os dias em que se queixa dos que em que agradece.

Agradecer o quê? Não tenho o trabalho que quero. Não tenho o vencimento que quero. Não tenho casa própria. Conduzo um carro com 12 anos e se ele morrer não tenho como comprar outro. Não tenho o corpo que quero. Não tenho a roupa e os sapatos que quero. Não faço todas as viagens que quero. Não encontrei ainda o meu grande amor.

Agradecer o quê?

Agradecer o facto de ter doenças pouco graves. Porque as varizes, as pedras no rim, o hipotiróidismo e a epilepsia são problemas para a vida, mas nada que não se controle e nada que me tire qualidade de vida.

Agradecer o facto de as minhas pessoas estarem comigo e estarem bem… de saúde e felizes.

Agradecer o facto de poder ver a minha sobrinha crescer e atingir os seus objectivos.

Agradecer o facto de ter o meu quarto, a minha sala e as minhas estantes para as minhas centenas de livros.

Agradecer o facto de ter trabalho. Trabalho que me paga a tempo e horas, com todos os subsídios a que tenho direito.

Agradecer o facto de ter amor na minha vida.

Agradecer o facto de estar viva.

Não sei como é que, vendo aquelas imagens todos os dias no noticiário, haja quem continue a queixar-se da vida que leva.

Pessoas tão cheias de nadas. Pessoas como eu e como qualquer um de nós. Pessoas que tiveram o azar de nascer na parte errada do Planeta. Pessoas sem direito a Educação, Saúde, Habitação… Paz! As coisas que temos como adquiridas. Pessoas quase sem direito a sonhar. Num país com guerra. Com pobreza. E com catástrofes naturais desta envergadura.

Custa-me ver os corpos empilhados nas bermas de caminhos de terra, a que eles chamam estradas. Os corpos mutilados. As crianças sem destino. Custa-me ver a morte. Mas custa-me mais ver a morte no olhar dos vivos. Custa-me ver a falta de esperança. A falta de sonhos. A falta de tudo.

O que se vê todos os dias nos telejornais parece-se demais com uma cena de um filme. Qualquer coisa como o “Ensaio sobre a cegueira”. Algo de muito mais grotesco. Por não ser uma cena de um filme, mas a vida real.

Custa-me o egoísmo com que vivemos o nosso dia-a-dia. Sem estender a mão a quem precisa.

Admiro as pessoas que largam tudo para irem para lugares assim. Para Angola, Guiné, Iraque, Afeganistão, Haiti…. Tantos lugares e as muitas pessoas que vão são poucas.

No ano passado tive um convite para ir para a Guiné e não quis ir. Porque não é confortável. Há guerra. Há pobreza. E mesmo indo ganhar bem, não quis sair do conforto da vida que levo aqui.

É uma escolha legítima. Mas egoísta. E não me digam que faço a minha parte de outra forma, porque não faço. Não tenho de ter vergonha das coisas (e são só coisas) que compro com o dinheiro que me custa tanto a ganhar. Não tenho que ter vergonha das viagens que, ainda assim, consigo fazer. Mas não tenho o direito de me lamentar. Porque há quem faça muito mais do que eu e tenha muito muito menos.

Porque para tudo na vida é preciso sorte. Sorte. Crescemos a pensar que temos de estudar para arranjar um bom trabalho e que se trabalharmos muito vamos ter o que sempre quisemos e sonhámos. Desde o Renascimento que o Homem pensa assim… deixou de acreditar na providência divina, para acreditar que pode mudar o curso da sua vida e ter uma vida boa apenas e só se quiser. A “providência humana”. O Humanismo. Mentira. Mentira. Mentira.

É claro que nada nos cai no colo. Temos que nos pôr a jeito para a sorte nos bater à porta. Não vale de nada esperar pelo Euromilhões se não jogarmos. Na vida é igual… não podemos esperar um trabalho de sonho se não estudarmos e nos prepararmos para isso. Não podemos esperar uma saúde de ferro se não nos alimentarmos bem e não fizermos exercício.

Mas… podemos fazer tudo bem e ainda assim não conseguir. Porque há muitas pessoas preparadas sem trabalho. Porque há muitas pessoas sem oportunidade de estudar… porque a vida lhes pregou uma rasteira cedo demais na vida. Porque mesmo quem come bem e leva uma vida saudável pode ter doenças.

Sorte.

Sorte de nascer na família certa. Sorte de nascer no país certo, do lado certo do Planeta. Sorte em ter saúde. Sorte em ter pessoas boas no nosso caminho. Mantê-las dá trabalho e depende de nós… mas tê-las no nosso caminho já não.

Sorte.

No Euromilhões da vida… é o que desejo a todos. Sorte para atingir o Jackpot que é mantermo-nos vivos e com saúde.

Ao Haiti. Que haja quem, apesar de toda a dor, consiga manter a capacidade de sonhar e de mudar o seu Mundo. Que haja quem consiga ter sorte.

9 comentários:

Suspiro disse...

Custa perceber que estamos cheios de sorte, ao ver os noticiarios hoje em dia! Mas tudo o que disseste é bem verdade! Já temos o melhor euromilhoes que alguem poderia ganhar! ;)

Isandes disse...

eu nunca o conseguiria expressar melhor; é isso tudo. beijo vivo

bono_poetry disse...

Olha que nao e facil termos tudo mesmo que nada daquilo se queira,olha que podes ter td sem te aperceberes do mesmo,deixa que te diga que es intensa e ingenua,es grande e nao cabes em ti,ajudar o proximo que precisa por vezes e uma lavagem de consciencia,sei do que falo!!!
Nao respondo ao que ja fiz,mas pelo que ainda vou fazer,e esta a tua meta,o teu objectivo,de que te vale ter um passado sem futuro?acredita que e facil seres suicida o que custa mesmo e seres corajosa,e essa a maravilhosa mensagem da vida,nao e?O Haiti tem entre maos a maior catastrofe de sempre , todos foram atingidos,ricos pobres,forcas humanitarias,governo,e realmente crul termos que assistir sem poder fazer muito,mas podes fazer algo!!

Luisa disse...

Ianita,

Disseste tudo, nada a acrescentar.

Continua, assim.

Beijinhos

Luisa

Rony disse...

Sorte. Sim. A vida como uma roleta russa. Não há nada que nos condicione mais que o nascimento. Diz-me de quem és filho e dir-te-ei quem és...

LP disse...

É pena só darmos importância às coisas quando não as temos.

Claro que podíamos viver mais folgadamente em Portugal, claro que há corrupção, claro que não há tanto civismo como devia de haver, claro que há muitas arestas a limar. E daí, o ser humano não está aí para mudar?

Criticamos de mais e fazemos de menos!

Beijinhos

P.S. Adorei o texto que praticamente fiquei sem palavras! :)

Ianita disse...

Suspiro: sim. Estamos vivos e aí prás curvas :)

Isandes: beijo vivo e abraço apertado. O suficiente para nos sentirmos aqui. :)

Ianita disse...

Bono: mas que somos nós sem consciência? De nós e do outro? Admiro o que fizeste de parte da tua vida, independentemente dos motivos que te levaram a fazê-lo. E admiro precisamente porque não sou capaz de o fazer... de abdicar do meu sofá e do meu conforto para ajudar um pouco mais...

Beijos e Bona Fortuna

Ianita disse...

Luísa: Beijinhos

Rony: podemos ser mais que os nossos pais... podemos ser diferentes... mas o lugar onde nascemos, a sociedade em que crescemos, marcam-nos para a vida. Bona Fortuna para ti, minha amiga. Bona Fortuna.

LP: é isso mesmo. Falamos demais e fazemos de menos. Tu com estas 6 palavras disseste o que eu queria dizer nas milhentas que escrevi. Menos paleio e mais acção! :)

Beijos! e Bona Fortuna!